terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Navegar;

Não lembro quando comecei a fugir. Acho que tem um tempo. O barco de mentiras segue para a terra do nunca, sem rumo, sem previsões, sem destino e sem esperança. Eu embarco disfarçado de visitante e espectador. Navego.

Tempestades sinalizam a desordem dos últimos dias. Cego, finjo indiferença. Sigo, rumando ao caos. Sigo, bebendo água salgada que enjôa e urina. Sigo, cego e sujo sem olhar pra trás. Sem parar.

O desastre é inevitável. Afogar-me-ei até quando?

O barco perdeu o rumo ao deparar-se com a falta. Âncoras não existem mais aqui. Pegaram outro barco, menos suicida. Decisão sábia. As velas mudaram de direção. Os ventos rasgam a pele marcada de sol e desnutrição. Os pássaros que cagavam em nossas cabeças não existem mais. Sigo, cego e surdo. Finjo não escutar os gritos da tripulação - que ainda resistem à bordo - clamando, insistindo que neste barco eu estou no comando. As decisões são minhas. A responsabilidade, também.

O barco segue seguindo, lembrando.

Meu porto original era belo. Tinha rainha, cavaleiros e meu castelo. As vezes navegava, mas a maré era mais tranqüila, admito. Acho que sinto que, quando sinto, sinto falta do que era eu, do que era meu. Do que era puro.

Ondas e ondas me atingem. E no frio, só a solidão. E só.
A voz nauseante do silêncio. O brilho nos olhos que a saudade traz.

- O que fazer? - Alguém quebra o silêncio.

- Vá tomar no seu cú. Continue remando. - Insisto.

- Vamos afundar? - Insiste o inconveniente.

- Há muito que afundamos, não percebes? - finalizo.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cagando em público;

A vontade bateu e me retirei. Sentia aquilo me invadindo, gerando ansiedade. Sentia que não daria conta de segurar e corri. Era maior que eu. Procurei um banheiro e entrei.

Quando a gente entra no banheiro para evacuar dá-se início um processo de fiscalização: é preciso ter certeza que as pessoas não ouvirão os possíveis sons durante o ato. A gente fica com vergonha.

Entrei na cabine e sentei.
Pelo chão procurava sombra de possíveis intrusos nas cabines vizinhas.

Controlava o fluxo para não chamar a atenção.

Foi quando eu percebi o quanto isso é absurdo. Todo mundo faz isso. É natural. Aquele é o lugar para fazer esse tipo de coisa. É uma coisa tão simples, uma conclusão tão lógica. Pra que sentir-se reprimido? Deixar rolar seria tão mais fácil. Tão mais saudável. Sofreríamos menos. A dor seria menor. Seria mais justo, diria.

Fiquei sentado esperando passar. Demorou.

Demorou pra perceber que não eram fezes, eram lágrimas.