Eram três da manhã.
Deu um arroto de alívio. Aquele arroto que, além dos gases temperados com cerveja quente, expulsa o entalado, o preso, o atravessado e possibilita um respirar confortável, singelo. As barbies que tiveram a oportunidade de presenciar tal catarse gaseificada, não deram o devido valor ao fato. Reprovaram. Reprimiram. Castraram.
Fora um momento lindo.
Sugeriram pudor ao autor, ao artista, ao autista.
Mas como? Como seria possível dizer "não"? Perder a oportunidade de expressar o maior símbolo do insight naquele momento seria um crime. Um tiro no pé. Nunca faria isso, nunca fará isso. Ser justo, eis o lema.
Talvez seja exatamente por isso que não é possível - com facilidade - apaixonar-se pelo uno, único, essencial. Enxergar a loucura do outro. Talvez seja exatamente por isso que as pessoas tentam desesperadamente tornar-se uma variedade da mesma coisa. Uma cópia de uma coisa que não existe. A expressão dos desejos dos outros.
O prazer obtido pelo autor fora e é inexplicável. Tentar traduzir falsificaria o ocorrido. São apenas palavras. São apenas convenções sociais. Detesto-as.
domingo, 26 de dezembro de 2010
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
É saber que existe;
Quase não acordei. O despertador cansou de gritar e desistiu de mim. Mais um. Acho que o grande tesão em encher a cara é mandar o superego tomar no cú. A gente assume uma postura sádica, olhando, gozando, enquanto ele dilui etilicamente. A sensação de liberdade é muito boa, apaixonante. E como toda paixão e liberdade, falsa. A liberdade é a primeira a cair: o prazer depende de um objeto. Prisão. A paixão nunca cai, continua fazendo presença. Assim como a dor de cabeça, quando anuncia o retorno do supereu, puto da vida. E ele vem armado, gritando e falando um monte de merda. Pagando em dobro no quesito sadismo. Ele é o cara nisso, palmas pra ele.
O estômago também dói. A boca seca e o bafo de cachaça vão demorar pra ir embora. A urina não, clama por descarga. Os flashes começam a aparecer. Risos, abraços, amigos, amassos e música. Planos, conquistas, derrotas e vitórias. Algumas lágrimas, mas em single-shot. Aprendi a ouvir pessoas em mesa de bar. Vi transformações riquíssimas, indignas de estudo. Overdose de vivências, boas e ruins. O superherói da consciência clama por aula e responsabilidade. Levanto. Mijo. Tropeço. Vomito. Tomo banho. Como. Bebo. Me arrumo. Entro no carro. Vou pra aula. Volto pra casa e acordo. Quase não acordei. Eu odeio esse cara.
"Cadê meu celular?", pergunta meu arqui-rival. "Não sei", respondo fingindo que não me interessa. O cú fecha. Será que deixei no bar? Perdi na volta pra casa? Aliás, como foi que eu voltei pra casa? Essa é a pior de todas. Os flashes não dão as caras. Estou só e fudido. De novo.
O problema em forçar a memória é que muita merda que a gente gosta de esquecer retorna, fudendo tudo de novo. Sádico, sempre. Deve tá achando graça agora. Lembrei das conversas de ontem, das promessas não cumpridas. A dieta falhou. Beber ao invés de comer besteira é a mesma merda, idiota. Lembrei do quão afrodisíaco o álcool é. A vontade de se comer é tensa... O que será que ela tá fazendo agora?
"Teu celular tá com fulano!", riu ciclano. Vive rindo. Filho da puta. Alívio. O cú abre. O dia será regado por coca-cola e pipoca. Bem infantil, típico de mim. Clichê.
Agora resta lidar com as conseqüências dos atos. Não existe verdade ou mentira, só as conseqüências das cagadas que a gente faz. A vida pede passagem. O flerte com a morte é, em si, fatal. O prazer do poder. O poder do prazer. Em minhas mãos. Fígado, urina e cabeça.
O prazer em quase morrer é saber que existe vida. É saber que existe. Um dia eu acordo, ainda sonho.
O estômago também dói. A boca seca e o bafo de cachaça vão demorar pra ir embora. A urina não, clama por descarga. Os flashes começam a aparecer. Risos, abraços, amigos, amassos e música. Planos, conquistas, derrotas e vitórias. Algumas lágrimas, mas em single-shot. Aprendi a ouvir pessoas em mesa de bar. Vi transformações riquíssimas, indignas de estudo. Overdose de vivências, boas e ruins. O superherói da consciência clama por aula e responsabilidade. Levanto. Mijo. Tropeço. Vomito. Tomo banho. Como. Bebo. Me arrumo. Entro no carro. Vou pra aula. Volto pra casa e acordo. Quase não acordei. Eu odeio esse cara.
"Cadê meu celular?", pergunta meu arqui-rival. "Não sei", respondo fingindo que não me interessa. O cú fecha. Será que deixei no bar? Perdi na volta pra casa? Aliás, como foi que eu voltei pra casa? Essa é a pior de todas. Os flashes não dão as caras. Estou só e fudido. De novo.
O problema em forçar a memória é que muita merda que a gente gosta de esquecer retorna, fudendo tudo de novo. Sádico, sempre. Deve tá achando graça agora. Lembrei das conversas de ontem, das promessas não cumpridas. A dieta falhou. Beber ao invés de comer besteira é a mesma merda, idiota. Lembrei do quão afrodisíaco o álcool é. A vontade de se comer é tensa... O que será que ela tá fazendo agora?
"Teu celular tá com fulano!", riu ciclano. Vive rindo. Filho da puta. Alívio. O cú abre. O dia será regado por coca-cola e pipoca. Bem infantil, típico de mim. Clichê.
Agora resta lidar com as conseqüências dos atos. Não existe verdade ou mentira, só as conseqüências das cagadas que a gente faz. A vida pede passagem. O flerte com a morte é, em si, fatal. O prazer do poder. O poder do prazer. Em minhas mãos. Fígado, urina e cabeça.
O prazer em quase morrer é saber que existe vida. É saber que existe. Um dia eu acordo, ainda sonho.
sábado, 8 de maio de 2010
Dona Maria
Dia 29 de Março minha vó faleceu.
"Infecção generalizada", disseram os branquinhos.
Dona Maria passou por muita coisa em sua passagem por aqui - que durou cerca de 91 anos. Muita coisa eu, obviamente, não presenciei. Mas, em seus últimos seis anos de vida, estive presente. Éramos colegas de quarto. E de rockadas. Vovó adorava ouvir as pessoas gritando na telinha. Principalmente as mulheres.
Depois de um tempo percebi que sua admiração por gritos femininos tratava-se de um desejo latente em fazer o mesmo. "Sofrer em silêncio" era quase que um lema. Em sua antiga casa, Dona Maria não tinha voz: seu dinheiro e destino eram estuprados por alguns membros de sua família. Quadro comum em muitos lares brasileiros.
Ao se mudar pra nossa casa, vovó começou a participar de nossas discussões cotidianas de café de manhã, regadas a café e muita psicanálise. Participava agora da possibilidade de decidir a que horas e o que prefere almoçar. Com o passar do tempo (e a quitação de inúmeras dívidas acumuladas em anos de corrupção), tudo que era de direito foi-lhe devolvido com prazer e com afeto. Vovó tava feliz.
Começava assim um novo episódio de sua vida. E nessa peça ela era - certamente pela primeira vez em muitos anos - a protagonista.
Dona Maria agora gritava, sorria e comia. Sua condição de ser-pulsante e ser-desejante fora respeitada, florescendo assim um ser-feliz. Vovó já escolhia o que comer, o que vestir, o que comprar, quem ajudar. Fantasiava sobre sexo. Não que me surpreenda o "retorno" de sua libido. Minha surpresa residia em sua voz. Falar não era mais problema.
E viveu assim por seis anos: feliz.
Esse convívio fez de mim alguém melhor. Alguém crente. Crente na possibilidade de mudar vidas. Alguém paciente. Capaz de esperar alguns segundos a mais para ter uma conversa corriqueira. Alguém humano. Preocupado com o bem-estar dos que são "tratados" como objetos inanimados por sua condição existencial - no caso de Dona Maria, a idade.
O momento que mais simboliza o destrato que presenciei com a minha vó foi uma ida ao Hospital de Clínicas Gaspar Viana, no setor de emergência cardíaca. Além do desespero corriqueiro que enfrentamos em situações de risco grave à saúde, enfrentamos juntos inúmeras posturas sado-masoquistas por parte da equipe que ali se encontrava: a maneira como se protegiam em seus jalecos inúteis, a espera a que fomos submetidos, a ironia que demonstravam para com a gente. Entre outras...
Indignado e visando usar o ROCK como arma de protesto e ansiolítico pessoal, musiquei essa experiência. Em breve eu gravo e disponibilizo, mas deixo aqui o produto de minha angústia, de nossa angústia.
"Escudo protetor,
Diferença distancia.
Ignorância justifica,
Irônia denuncia.
Sistema indiferente,
Espera cansativa.
Atenção reciclável,
Humanismo utopia.
Silêncio autoriza,
Saúde filantropia.
Público orfanato,
Criança esquizofrênia.
Sonho assasinado,
Luto melancolia.
Prazer canalizado,
Megalo-mania.
Lutem!
Luta necessária,
Direito garantia.
Futuro esperado,
União fortalecida."
Nada mais tenho a declarar.
Descanse em paz, Dona Maria.
Sua vida não foi em vão, e espero que nossos perrengues também não sejam.
"Infecção generalizada", disseram os branquinhos.
Dona Maria passou por muita coisa em sua passagem por aqui - que durou cerca de 91 anos. Muita coisa eu, obviamente, não presenciei. Mas, em seus últimos seis anos de vida, estive presente. Éramos colegas de quarto. E de rockadas. Vovó adorava ouvir as pessoas gritando na telinha. Principalmente as mulheres.
Depois de um tempo percebi que sua admiração por gritos femininos tratava-se de um desejo latente em fazer o mesmo. "Sofrer em silêncio" era quase que um lema. Em sua antiga casa, Dona Maria não tinha voz: seu dinheiro e destino eram estuprados por alguns membros de sua família. Quadro comum em muitos lares brasileiros.
Ao se mudar pra nossa casa, vovó começou a participar de nossas discussões cotidianas de café de manhã, regadas a café e muita psicanálise. Participava agora da possibilidade de decidir a que horas e o que prefere almoçar. Com o passar do tempo (e a quitação de inúmeras dívidas acumuladas em anos de corrupção), tudo que era de direito foi-lhe devolvido com prazer e com afeto. Vovó tava feliz.
Começava assim um novo episódio de sua vida. E nessa peça ela era - certamente pela primeira vez em muitos anos - a protagonista.
Dona Maria agora gritava, sorria e comia. Sua condição de ser-pulsante e ser-desejante fora respeitada, florescendo assim um ser-feliz. Vovó já escolhia o que comer, o que vestir, o que comprar, quem ajudar. Fantasiava sobre sexo. Não que me surpreenda o "retorno" de sua libido. Minha surpresa residia em sua voz. Falar não era mais problema.
E viveu assim por seis anos: feliz.
Esse convívio fez de mim alguém melhor. Alguém crente. Crente na possibilidade de mudar vidas. Alguém paciente. Capaz de esperar alguns segundos a mais para ter uma conversa corriqueira. Alguém humano. Preocupado com o bem-estar dos que são "tratados" como objetos inanimados por sua condição existencial - no caso de Dona Maria, a idade.
O momento que mais simboliza o destrato que presenciei com a minha vó foi uma ida ao Hospital de Clínicas Gaspar Viana, no setor de emergência cardíaca. Além do desespero corriqueiro que enfrentamos em situações de risco grave à saúde, enfrentamos juntos inúmeras posturas sado-masoquistas por parte da equipe que ali se encontrava: a maneira como se protegiam em seus jalecos inúteis, a espera a que fomos submetidos, a ironia que demonstravam para com a gente. Entre outras...
Indignado e visando usar o ROCK como arma de protesto e ansiolítico pessoal, musiquei essa experiência. Em breve eu gravo e disponibilizo, mas deixo aqui o produto de minha angústia, de nossa angústia.
"Escudo protetor,
Diferença distancia.
Ignorância justifica,
Irônia denuncia.
Sistema indiferente,
Espera cansativa.
Atenção reciclável,
Humanismo utopia.
Silêncio autoriza,
Saúde filantropia.
Público orfanato,
Criança esquizofrênia.
Sonho assasinado,
Luto melancolia.
Prazer canalizado,
Megalo-mania.
Lutem!
Luta necessária,
Direito garantia.
Futuro esperado,
União fortalecida."
Nada mais tenho a declarar.
Descanse em paz, Dona Maria.
Sua vida não foi em vão, e espero que nossos perrengues também não sejam.
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